segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Inexplicável prazer

No passado Sábado choveu na zona de Lisboa de uma forma, digamos, muito intensa. Esta intensidade foi crescendo ao longo da manhâ e apanhou-me a meio da volta . Tendo começado a pingar cerca das 8horas da manhâ, por volta do 12h00 a agua formava um ribeiro que descia no alcatrão da estrada de S.Pedro de Sintra-Estoril, aquela que passa no autodromo. Mas não é sobre a intensidade da chuva que eu vos quero falar, é sobre o gozo de estar em cima de uma bicicleta.

Ao contrário do BTT em que consigo explicar com facilidade o prazer que tiro ao subir e descer trilhos, a prática do ciclismo de estrada é-me impossivel de explicar. Quando me perguntam como aguento fazer num dia kilometragens que muita gente de carro não faz numa semana, eu respondo-lhes só que não. Mas instado a explicar o teor do prazer que retiro não sei explicar. Só sei que gosto.

Esta incapacidade de pôr em palavras o acto de pedalar em estrada é muitissimo estranha. Foi isso que pensei quando pedalava à chuva perante os olhares de incredubilidade dos condutores que me ultrapassavam. Como explicar-me e explicar-lhes o enorme prazer de pedalar, mesmo naquelas condições. Juro que não sei. Como ?

domingo, 28 de dezembro de 2008



Nestes dias cinzentos e ameaçando chuva nada como uma foto deste verão. Tirada nas planicies de Salamanca o Francisco, meu filho, no 1º dia do Caminho de Sanábria, caminho que ao longo de 500 kilometros nos levou a Santiago de Compostela. O percurso de seis dias foi feito a dois e em total autonomia .

Num futuro artigo irei procurar dar alguns detalhes desta jornada que tão boas memórias deixou. Poderei tambem dar-vos uma ideia de como tudo foi organizado e o material que levámos.

Regras Básicas

Tal como tudo na vida, por mais que queiramos esquece-lo, a partilha da estrada ou dos trilhos com outros tem regras. A partir do momento em que interagimos com outros ciclistas ou utentes das vias (estrada ou trilho) onde circulamos, temos de criar formas de harmoniosamente nos movermos. Se existem regras básicas que todos conhecemos, tal como não circular nos passeios, existem outras que confinando-se aos ciclistas apenas a eles são conhecidas. Ou pelo menos deviam sê-lo. Toda esta introdução deriva de dois factos que comigo se passaram nesta epoca festiva. Acho que vou enumerar uma regra de cada vez e nessa altura explicar o que se passou, vamos então à primeira :

“Não “chuparás a roda” de outro ciclista sem antes pedir autorização “ – Com uma aplicação mais “alcatroeira” esta regra é tantas vezes esquecida. Qualquer ciclista sabe que ir atrás de outro chega a representar poupanças de energia de cerca de 30%. Estapoupança varia directamente com a velocidade e é pouco sentida no BTT pois circulamos, em geral, mais devagar. Nada é pior que um ciclista sentir que anda a trabalhar para outro sem este pelo menos ter pedido autorização. É um pouco como alguem tirar vantagem do nosso trabalho. Pior é ainda, quando em conversa de café nos surge alguem a vangloriar-se de se ter “aguentado” atrás de um “pro” da estrada. Pudera assim tambem eu !!
Vem esta regra a proposito do ciclista que de forma descarada se pendurou perto da Parede e que até Algés apenas liderou na subida da Belavista. Teve inclusivé a “lata” de esperar no topo para voltar a “chupar roda”. Ter-nos desejado um “bom dia” no final foi uma sorte !! Se querem chupar roda peçam autorização senão mantenham-se a uma distância decente.

“Nas descidas darás prioridade e o melhor piso a quem sobe” – Esta regra é toda BTT não tendo grande aplicação no alcatrão. Quem sobe, seja qual fôr o seu nivel, está sempre numa situação de maior dificuldade em comparação com o ciclista que desce. Esta situação de “inferioridade” dá-lhe prioridade na escolha do melhor trajecto e piso para subir. Por outro lado quem desce deve adaptar-se sempre às escolhas feitas pelo escalador. Esta prioridade é total, se necessário o ciclista que desce deve parar e esperar que quem sobe passe no local que se afigura mais estreito, mais técnico ou de passagem em ambos os sentidos inviável.
A referencia a esta regra surge devido a um episódi ocorrido hoje no “Monje” (Sintra) subida sempre dura e com zonas mais dificeis. Neste caso fui obrigado, em conjunto com outros escaladores, a fugir para uma zona de piso técnico pois vários ciclistas que desciam não prescindiram do piso mais liso e fácil. Não deixei de fazer a subida mas tambem não deixei de gritar esta regra de ouro. Pode ser que da próxima vez nos reservem o lado “bom” do trilho. Pelo menos a esperança é essa.

Uma nota final para reagradecer ao ciclista que no Mone me puxou até lá acima. Fiz o agradecimento na altura (outra regra) pois a luta foi “mano a mano” mas aqui fica de novo.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Hidroformação

Nas saídas de bicicleta o Sábado é guardado para a de "estrada", para a das "rodas fininhas". Como companhia habitual destas sortidas conto com o meu irmão mais velho, o Sebastião. Com um ritmo semelhante ao meu acaba por ser o praceiro ideal e permite ter saídas equilibradas. Por vezes o nosso optimismo é excessivo e acabamos por nos "esticarmos" demasiado sob o ponto de vista kilométrico, eu acabo por me queixar e tentar impôr um regresso a casa pelo caminho mais curto. Outras vezes até nem é a distância, são as dificuldades, de novo me queixo e proponho soluções radicais e extremas para terminar o sofrimento. É nessas alturas que o Sebastião atira a sua frase assassina, aquela que liquida as discussões "...Isto é bom para formar caracter..." .

Hoje foi um desses dias, a frase foi atirada na paragem de autocarros que existe no cruzamento da Azoia (junto dos buracos do meu texto das "Memória"). Afinal de contas a chuva já nos acompanhava desde Acantara e a perspectiva de descer a Colares, de acordo com o trajecto prédefinido, parecia-me demasiado. A vontade era voltar para casa depressa, tomar um banho quentinho e sentar a ler o ultimo numero da "Bicycling". Mas não !! Tinhamos de ir "formar caracter" mais um bocado....

Foi assim que subimos a Peninha e descemos pela Pena para Sintra. No cruzamento do convento dos Capuchos encontrámos vários Betetistas tambem em processo formativo de caracter, tal como nós pingavam e notava-se neles uma chama bem apagada (inundada) de entusiasmo. Os unicos que me pareceram bem foram os "Downhillers", cruzaram-se connosco dentro das suas carrinhas bem aquecidos pelo ar condicionado, pareciam ter encontrado uma forma diferente de "formar caracter". Já no "Café do Preto" em S.Pedro de Sintra o ar aterrorizado dos civis aquando da nossa entrada deu para perceber que eles nada entendiam de "formação de caracter", ainda menos ficaram a perceber quando nos viram sair no meio de uma tremenda chuvada.

De uma coisa fiquei seguro ao chegar a Lisboa, o processo com tanta chuva e água tinha-se alterado, a presença de tanto H2O originou sim uma "hidroformação do caracter" algo bem mais dificil, raro e com contornos de malvadez. A certeza de tudo isto tive-a eu, quando a seis quarteirões de casa furei o pneu da frente. Demasiado perto de casa para remendar lá fui caminhando e "hidroformando caracter" !!

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Memória extraordinária

Com saídas semanais por estrada ou BTT é estranho como nos habituamos à estrada ou aos trilhos onde andamos regularmente. Se porventura é a Marginal de Lisboa que fazemos, já conhecemos as tampas da sarjeta antes da 1ª rotunda de carvcavelos, ou o remendo de alcatrão na direcção de Cascais que existe em Paço de Arcos (que agora remendaram melhor). Tambem é extraordinário com nos habituamos às alterações da estrada; que dizer do novo piso da rampa do Castelo da Pena (obrigado Camara Municipal de Sintra) , ou da degradação cada vez maior do alcatrão no cruzamento da Azoia (desobrigado Camara Municipal de Sintra).
Mas na terra a situação é a mesma e o nosso corpo e mente prepara-se (adapta-se) para tudo isso com uma enorme facilidade. O rego que surgiu no trilho com as ultimas chuvas já está registado para a volta da próxima semana, tal como registado está o aparecimento daquela gigantesca poça de água e da escapatória pela direita. No entanto nenhum de nós vai para casa "marrar" estas diferenças para o "exame" da semana seguinte

Tudo isto poderia, provávelmente, ter a ver com a nossa "menos rápida" velocidade (comparando com os motorizados) , permitindo ao nosso cerebro captar e armazenar todos os detalhes. E daí talvez não, pois eu conheço perfeitamente aquele ressalto na descida da Malveira da Serra embora passe lá a 50 km/h !! Esse registo é tão nitido que 2 metros antes já estou à procura do ressalto, um metro antes já levantei o real traseiro do selim.

Agora esta nossa capacidade vira pura feitiçaria quando passamos com a familia nos mesmos locais !!! A enumeração continuada de todos estes pormenores aos nossos acompanhantes é objecto de uma profunda estupefacção ! Se nunca experimentaram façam-no da próxima vez. Se porventura teem crianças novas é o máximo. Posso garantir-vos que são passados à qualidade de "mágicos" muito rápidamente, para os miúdos a viagem adquire uma aura de loucura com eles a gritarem interrogando-nos sobre o que aí vem. Experimentem. Quanto aos graúdos cansam-se rápidamente.... um pouco como ir a Àfrica fazer um sáfari, o primeiro antilope é um sucesso, mas ao décimo quinto e sucessivos já nem ligamos, por mais extraordinária que seja essa visão.

Outro aspecto interessante é a memória histórica que adquirimos. Esta memória permite preservar determinados detalhes dos trilhos onde passamos, mesmo que novos pormenores os tenham substituido. Eu diria que passamos a ter um registo evolutivo pois não esquecemos o passado mas ao mesmo tempo sabemos o que agora nos espera, atrás daquela curva. Se lá passamos com frequência os registos são muito exactos e adaptam-se à sua evolução, se porventura é raro lá irmos a nossa memória por vezes distorce-os, ou pelo menos guarda deles uma memória que se relaciona com a nossa forma fisica. É o caso daquela subida em S. João Das Lampas que eu referenciava como aterradora, no entanto a ultima vez que lá passei era bem menos complicada. Será que a memória ficou distorcida ou era a minha forma fisica na altura tão má que "aterradora" foi como a senti ? Não sei mas que foi uma agradável surpresa isso foi !!